Imprevisibilidade ? Overrated...
Noto que muitos jogadores centram o seu jogo em torno de um dogma: o dogma que o seu jogo precisa de ser imprevisível. Pois considero que a importância que grande parte dos jogadores dá a este factor é exagerada e que não raras vezes esse dogma acaba por servir apenas para justificar más jogadas...
É óbvio que um jogo previsível é uma falha grave no jogo que pode ser explorada pelos adversários e que uma certa dose de imprevisibilidade é importante para que dessa forma a avaliação de qual a melhor decisão que o adversário pode tomar seja difícil de apurar. Basicamente, sendo o jogo imprevisível, a decisão do adversário é mais difícil e este tem maior dificuldade em apurar qual a melhor decisão estando assim mais sujeito a cometer erros e com menor frequência vai tomar a opção mais correcta.
Até aqui tudo certo...
Mas a noção de imprevisibilidade é uma noção bastante vaga, tanto mais que um jogador que anseie em demasia ser imprevisível acaba por se tornar previsível noutro sentido.
Eu exemplifico: um jogador que jogue todas as cartas e faça raise em todos os movimentos é totalmente imprevisível num sentido (é completamente impossível aferir o que essas decisões significam relativamente às cartas que possui, em boa verdade, pode ser absolutamente qualquer coisa) mas torna-se totalmente previsível noutro. É um adversário que sabemos totalmente como ele joga e onde é muito fácil determinar qual a melhor decisão em termos de longo-prazo (muito embora não façamos a mínima ideia de que cartas ele possui naquele momento).
Obviamente que aqui o erro flagrante é o estilo de jogo perfeitamente identificável e a previsibilidade das decisões não obstante a imprevisibilidade das cartas em questão naquela mão específica. Isso pode ser corrigido com o chamado 'mixing it up', isto é, ir variando o estilo de jogo. No entanto, a mesma questão pode manter-se ainda que noutra escala.
Por exemplo, um jogador pode fazer aqui e ali uma jogada pouco ortodoxa apenas com o intuito de baralhar os adversários (o que considero correcto) ou simplesmente ir alternando entre dois ou três estilos (provavelmente ainda melhor). Mas, especialmente no primeiro caso, um adversário razoável tenderá a ignorar jogadas que não estão de acordo com o perfil do jogador. Pego no exemplo que suscitou este meu post: se um jogador tight/agressive a certa altura faz um re-raise pre-flop com J2o, o melhor é ignorar essa jogada. Essa jogada não pode ser típica e da próxima vez não posso considerar que ele tem algo como J2o ou de valor semelhante ou ele não sería tight/agressive de todo. Eu tenho de decidir com base no que ele vai ter 99% das vezes e não com base no que ele vai ter 1% das vezes, passe a imagem.
Tentar adivinhar as vezes em que o jogador faz a jogada não ortodoxa é obviamente um erro e uma boa forma de tomar más decisões em termos de longo-prazo.
Outro aspecto: não é necessário um grande esforço para que o jogo tenha só por si uma boa dose de imprevisibilidade e existe um leque de valores bastante considerável dentro dos quais a diferença em termos de imprevisibilidade não é assim tão significativa pelo que não devemos deixar o jogo ser dominado por essa preocupação em particular. Tentando concretizar com um exemplo: se o jogador faz raise pre-flop com 10%, 12% ou 15% das mãos, o grau de imprevisibilidade (dado o leque de mãos possíveis) é já só por si bastante razoável e entre os casos e outros a diferença não é particularmente significativa, já para não referir que os 12% de um não significam exactamente o mesmo range que os 12% de outro. A diferença nota-se quando o jogador faz raise pré-flop por exemplo com 1, 2 ou 3% porque aí estamos a falar de um range muito pequeno e facilmente definível.
Agora imaginemos que um daqueles jogadores (10-15) faz um bet ou raise no flop Js Ts 5c. Com aquele leque de raise pré-flop (seja 10 ou 15%) e com este flop, o jogador pode ter praticamente qualquer coisa (overpair, top-pair, draws, etc). Com um esforço mínimo, o jogo dele é bastante imprevisível. E se por exemplo ele faz um bet/raise, tanto se pode tratar de um semi-bluff como se estando a defender contra os draws...
Um esforço excessivo leva a que comecemos a tomar más decisões demasiadas vezes sem que o valor acrescentado em imprevisibilidade justifique.
O que pretendo chamar a atenção é que, notando que muitos jogadores sobrevalorizam o factor imprevisibilidade, a maior parte do tempo o mais adequado é centrar os esforços em tomar a melhor decisão. Fazer centrar o jogo demasiado em torno do factor imprevisibilidade pode fazer disparar a frequência com que tomamos más decisões, tornar o jogo previsível ao adversário por outra via ou simplesmente facilitar-lhe a tomada de decisões.
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